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sexta-feira, 14 de março de 2008

Artigo: É proibido viajar | CONTARDO CALLIGARIS

A modernidade, que começou com a livre circulação, acaba proibindo a viagem NO EPISÓDIO dos jovens pesquisadores brasileiros barrados em Madri, as autoridades espanholas agiram como se o cônsul-geral do Brasil contasse lorotas para facilitar o trânsito de imigrantes ilegais. O desrespeito justifica a "retaliação" brasileira. No mais, a cada dia, as fronteiras do mundo (não só do primeiro) barram alguém que tenta viajar, sobretudo se for jovem, solteiro e sem as aparências de uma "vida feita". Ao atravessar uma fronteira, o passaporte prova que estamos em paz com a Justiça de nosso país. As outras nações devem decidir se somos hóspedes desejáveis. Nas últimas décadas, as "condições" para ser desejável se multiplicaram. Hoje, no caso da Espanha: 1) 70 por dia de permanência planejada; 2) passagem de volta marcada; 3) reserva de hotel, já pago; 4) para quem se hospedar com parentes, formulário preenchido pelos mesmos; 5) quem se desloca para trabalhar deve dispor de um contrato assinado. Normas muito parecidas valem na maioria dos países. O escândalo é que essas condições podem nos parecer "aceitáveis". Afinal, qualquer Estado quer proteger o emprego de seus cidadãos impedindo a chegada de imigrantes não-autorizados, não é? Pois é, Michel Foucault é mesmo o pensador para os nossos tempos: o sistema social e produtivo dominante ordena nossas vidas furtivamente, convencendo-nos de que não há opressão, mas apenas necessidades "racionais". Se achamos essas regras "aceitáveis", é porque já adotamos a idéia de que, no nosso mundo, só é legítimo ter moradia fixa e profissão estável. As pessoas com moradia fixa podem, quando elas dispõem dos meios necessários, adquirir uma passagem de ida e volta e sair de seu lar seguindo um programa pré-estabelecido -ou seja, podem ser, ocasionalmente, turistas. Escárnio: prefere-se que os turistas sejam otários, pagando de antemão. Há uma pousada melhor da que estava prevista? Você quer encurtar a viagem? Pena, você já pagou. Mas isso é o de menos. Importa o seguinte. A modernidade, que começou com a circulação (livre ou forçada) de todos os agentes econômicos, acaba parindo, nem mais nem menos, a proibição da viagem. Como assim? Pois é, viajar não tem nada a ver com férias num resort ou com ser transportado de cidade em cidade para que os cicerones nos mostrem as coisas "memoráveis". Para começar, viajar é usar uma passagem só de ida. - Quanto tempo você vai ficar? - Não faço a menor idéia. Um dia? Três meses? Um ano? - E você vai para onde? - Não sei. Talvez eu curta uma pequena enseada, alugue um quarto numa casa de pescadores e fique comendo caranguejos com os pés na areia. Talvez, já no avião ou pelas ruas de Barcelona, eu me apaixone por uma holandesa, um russo ou uma argelina e os siga até o país deles, por uma semana ou um mês. Se a paixão durar, ficarei por lá. - E o dinheiro? - Não sei, meu amigo. Toco violão, posso ganhar um trocado numa esquina ou no metrô. Também posso lavar pratos, ajudar na colheita, cortar lenha, lavar carros e vender pulôveres. E, se a coisa apertar, tenho endereços de parentes e conhecidos que nem sabem que estou viajando, mas não me recusarão uma sopa e um banho quente. Além disso, em Paris, quando fecha o mercado da rua Saint Antoine, sobram na calçada as frutas e as saladas que não foram vendidas; em São Paulo, Londres e Nova York, conheço dezenas de igrejas que oferecem um pão com manteiga; em Varanasi, ao meio dia, distribuem riso com curry e carne aos peregrinos. Cem anos depois da invenção do passaporte com fotografia, chegamos nisto: uma ordem que só permite se movimentar para consumir férias ou para se relocar segundo os imperativos da produção. As regras que barram o viajante expressam nossa própria miséria coletiva: perdemos de vez o sentimento de que a vida é uma aventura. Preferimos a vida feita à vida para fazer. Para quem quiser ler sobre a história da documentação de viagem, uma sugestão: "Invention of the Passport: Surveillance, Citizenship and the State" (invenção do passaporte: vigilância, cidadania e o Estado), de Torpey, Chanuk e Arup (Cambridge University Press). Para quem quiser viajar, outra sugestão: a mentira, num mundo opressivo, é uma forma aceitável de resistência.

ccalligari@uol.com.br

Fonte: Folha de São Paulo de 13 mar 2008

5 comentários:

Alan Aguiar disse...

Muito bom, realmente disse tudo que agente quer dizer de uma forma bastante clara, objetiva e hironica.
texto sensacional.

Eduardo Hitaka disse...

É, ainda está longe o dia em que teremos um mundo transnacional, sem fronteiras estabelecidas pelo homem, onde poderemos transitar pelos países, como nos locomovemos por nossa casa entre os cômodos e ter consciência de que o planeta terra é a nossa casa e devemos preservá-la para o bom uso comum agora e sempre!

e/t: Alan, tu queria dizer - [...]objetiva e irônica, certo?

Alan Aguiar disse...

sim sim,
isso que dá enviar o texto antes de ler.

=D

Anônimo disse...

Ao mesmo tempo que possuímos a liberdade de ir e vir para "qualquer" canto, nos vemos cada vez mais "impossibilitados" de, como diz o autor, ... viver a aventura de viajar! A padronização é exigida como forma de "proteger" a economia, o emprego, a qualidade de vida das nações e assim, na contramão da Globalização, percebemos um crescente movimento de "LOCALização", no qual o objetivo é proteger a soberania da nação e de seu povo! Será que é este o caminho certo?

serhu disse...

A liberdade padronizada de ir e vir!E a globalização de que tanto falamos existe somente nos parâmetros favoráveis à uma minoria de países e seletos abonados que por sua condição privilegiada não têm restrições em se encaixar nos padrões e níveis de exigências para desembarque em determinados países. E a grande massa, como fica? O Brasil deve realmente ser mais rígido na emissão de vistos de entrada? Esta liberdade cerceada não é a versão moderna das muralhas de proteção às fronteiras?
Ceppelini...como sempre...muito bom o texto. Para sair do casulo e pensar no Turismo de forma Universal e aberta.

Abraços...Loirí Muller